domingo, 20 de abril de 2008

DEPOIMENTO

Comecei a desenhar na adolescência. Durante a escola complementar eu comecei a procurar melhorar a qualidade e me interessar por desenho de uma maneira diferente do interesse comum de criança. Isso tudo influenciada por meu irmão Mário que já gostava de desenhar Quando eu queria fazer uma figura humana eu procurava modelos em revistas. Fiz muitas cópias de retratos de artistas. Até hoje eu tenho retratos feitos a lápis de bebês e crianças que eu desenhava copiando fotografias de publicações. Tenho algumas da década de 40. Mas ainda não eram trabalhos artísticos, eram meras cópias.
Comecei a trabalhar com naturezas mortas por volta de 1947 com o pintor José Moraes, que havia ganhado um prêmio de viagem pelo Brasil e passou por Pelotas. Ele ficou alguns meses lá. Através de meu irmão (que o conheceu por interesses político comuns, atuantes ambos àquela época no partido comunista) soube que ele estava dando aula de desenho e comecei a ter aulas aos sábados. Durante a semana eu desenhava meus familiares, especialmente as mulheres (bordando, costurando, ouvindo novela no rádio). Cheguei a comprar tintas, porque ele disse que já era hora de começar com o óleo, mas vieram as férias, ele viajou para o Rio e retomou sua viagem pelo Brasil. Não obstante, eu segui desenhando.
Em 1949, Aldo Locatelli chegou a Pelotas para pintar a catedral contratado pelo Bispo Dom Antônio Zatera, foi quando a antiga professora de desenho do curso complementar, D. Marina Pires, que sempre quisera que a cidade tivesse uma escola de artes, convidou-o e, com o apoio de autoridades, fundaram a escola de Belas Artes de Pelotas. Assim, contactou todos os ex-alunos que tinham gosto pela arte. Ligou para minha casa, mas pela minha irmã Laura, que não se interessou, pois estava no conservatório de música (canto e piano). Mas eu me interessei e comecei a freqüentar as aulas do Locatelli em 49. Fui aluna de primeira turma.
Locatelli me incentivou muito, sempre elogiando meu trabalho. Também o poder público começou a incentivar as artes em Pelotas através de concursos e prêmios. Houve, por exemplo, um prêmio durante uma exposição agropecuária. Os alunos foram à exposição e pintaram os animais. Eu fiz vários desenhos e pintei um da raça jérsei e fui premiada em pintura e desenho. Os prêmios eram tintas importadas. Mais tarde Locatelli convidou-me para ajudá-lo na pintura de um painel para a Festa da Uva em Caxias do Sul. Como ele havia gostado muito do trabalho que eu fiz na exposição de animais, ele me encarregou de pintar uma vaca no painel. Meus pais só me deixaram ir porque eu tinha uma irmã casada que morava lá, porém meu cunhado foi transferido para outra cidade e eu acabei me hospedando com uma família conhecida.
Eu fui tomando gosto pela arte e aproveitando as oportunidades que iam surgindo, tais como os salões. Me associei na Associação Francisco Lisboa em Porto Alegre, no início da década de 50, com o objetivo de começar a participar de salões em Porto Alegre.
Sobre a minha “opção pela carreira artística”, é preciso dizer que essa era uma opção pouco real naquela época e lugar. Principalmente para uma moça solteira, de família do interior do Rio Grande do Sul (e de uma cidade importante, mas conservadora). Por mais que meu trabalho se destacasse, ele tendia a não ser pensado como parte de uma “carreira” a ser seguida. Se a carreira artística naquele contexto já era improvável para qualquer um, era muito menos ainda para uma mulher.
Nunca fui aquele tipo de aluna cujo trabalho se torna “igual” ao do mestre, mas é inegável que os professores tiveram muita influência sobre minha produção, especialmente Locatelli, Leopoldo Gotuzzo, Malagoli, Alice Soares e mais recentemente Fernando Baril. Os clássicos, que conheci de livros e reproduções, também marcaram meu trabalho, mais especificamente as obras da Renascença, do Barroco e do Impressionismo.
Para mim é difícil destacar um momento como “mais significativo” da minha obra. Na verdade foram todos. Concebo o trabalho como um processo de constante aperfeiçoamento, então, se há um momento mais significativo, é o atual. Eu aprendo ainda hoje, todos os dias.
No que faço eu não busco comunicar uma determinada mensagem ou emoção específica. Simplesmente dou expressão àquilo que estou sentindo no momento em que estou desenhando ou pintando
Não tenho propriamente uma técnica predileta, mas posso dizer que tenho preferência por suportes bidimensionais e por técnicas de trabalho direto como o desenho e a pintura. Nunca me senti atraída pela escultura – e não foi por falta de insistência do Caringi, que foi meu professor de escultura no Belas-Artes.
Acredito que toda a experiência, seja ela humana ou cultural, pode se tornar um recurso criativo. Entretanto, que fique bem claro, para mim o ato criativo é sempre fruto de uma ação concreta. É trabalho. Um artista é alguém que desenha, que pinta, que esculpe. Não há experiência espiritual que possa substituir o ato de fazer, o trabalho cotidiano de atelier.
Então, se eu pudesse dar um conselho para as próximas gerações seria esse: Desenhem! Desenhem! Desenhem! O desenho é a base de tudo, seja pintura, escultura, o que for.

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